A Nair Abreu

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Londres, 1.4.74.

Querida mãe:
Estou muito feliz. A passagem chegou a semana passada, e hoje fui marcar a
data do embarque. Marquei para o dia 29 de maio, uma quarta-feira. Devo chegar
quinta-feira, dia 30, no Rio, onde vou ficar uma semana, mais ou menos, para ver
Vera. E aqui preciso lhe contar uma coisa, sobre essa menina, Vera.
Eu a conheci em 71, no Rio. Ela tinha 15 anos. A gente transou muito bem,
depois voltei para PA e ela me escrevia cartas lindas. Depois, quando vim para cá,
ela estava no aeroporto do Galeão, me esperando. A gente ficou se escrevendo esse
tempo todo — ela chegou até a mandar um suéter, meias e tal. Cresceu muita coisa
entre a gente, nesse tempo. A gente inclusive fez planos de morar juntos e tal, essas
coisas. Claro que tudo isso são apenas planos e a gente precisa mesmo é se
encontrar novamente. Por isso quero ficar no Rio algum tempo. Vou parar na casa
dela — a mãe dela é uma pessoa maravilhosa.
Ah, esqueço de contar. Aconteceu um coisa muito boa. Tenho um amigo
que arranjou emprego numa fábrica que paga muito bem, £ 8 por dia (cerca de 130
cruzeiros). O trabalho é à noite, das 8 até as 8 da manhã. Esse amigo vai para Paris
dia 10 e me deixaria no seu lugar. Vou trabalhar lá uns 10 dias. Em cruzeiros, dá
pra fazer o equivalente a mais de 1 milhão. Então, parece que problema de dinheiro
não terei logo ao chegar — e em seguida começo a transar outras.
Meu plano é ficar 1 ou 2 meses em Porto Alegre — como lhe falei, terminar
a peça, dar jeito no livro, curtir vocês. Depois, sair pra batalha outra vez.
Estou muito bem. Tenho trabalhado muito, posando. Mas estou realmente
ótimo. Voltei a fazer ioga, macrobiótica. À noite fico sempre em casa lendo,
escrevendo ou mesmo costurando, coisa que comecei a curtir agora. Sinto que toda
aquela carga de angústia e inquietação que eu tinha está-se indo. Quero muita calma
daqui pra frente.
Como vou ter dinheiro, talvez possa levar alguma coisa daqui. Pensei em
levar louça (ou despachar) — a porcelana inglesa é linda. Tenho também um abajur
do século passado, que encontrei num antiquário — e que vou levar para o
corredorzinho da entrada. Mande me dizer o que mais a senhora, o pai, as gurias,
Felipe e Gringo gostariam que eu levasse. Tem muita roupa linda, bonita. Diga ao
Felipe que vou levar um brinco para ele — a última moda aqui é uma argola na
orelha esquerda, para homens. Para o Gringo é que não sei o que levar — o que a
senhora acha que ele gostaria?
Domingo completou um ano que saí daí. Aninha veio aqui e foi muito legal,
conversamos bastante sobre tudo que aconteceu durante esse ano — e o saldo foi
bom. A gente viveu, cresceu, aprendeu. Sofreu e riu. Mais saiu mais vivo.
Hoje, meu dia de folga, depois de ver a passagem, fui a um parque passear. A
senhora não pode imaginar como estava bonito. Tinha sol, e tava tudo florido,
verde, dum verde bem suave. As pessoas caminhando devagar e sorrindo. Parece
todo mundo aliviado com o fim do inverno. Depois comprei um potinho verde pra
comer meu arroz macrô, lindo — só falta comprar agora aqueles pauzinhos
chineses, que são uma delícia para comer. Também descobri um chá macrobiótico
incrível, é para dar energia mental — chama-se chá de Mu. Depois que comecei a
tomar, comecei a dormir menos, umas 6 horas, e a acordar muito bem disposto.
Hoje limpei todo o apartamento, lavei até o fogão — agora são quase meia-noite e
estou ótimo.
Mãe, eu estou realmente muito grato à senhora e ao pai por terem mandado
a passagem. Por terem sabido compreender e ajudar. Vocês são maravilhosos.
Muitas coisas não foram fáceis de serem vividas — mas o saldo é positivos e eu
vou voltar muito tranqüilo.
Chegarei aí ainda em tempo para o aniversário do pai. Se tudo realmente der
certo com a Vera — e eu espero que sim — talvez dentro de algum tempo vocês
tenham um neto. Que é que a senhora acha? Vamos ver, vamos ver. Eu quero ir
nessa muito devagar pra não me machucar.
Conversaremos muito na minha volta. Vou escrever mais antes de ir, mas
posso fazer um pedido desde agora: me espere com aquela espécie de bolo com
ervilha e ovo que a senhora faz, e que eu adoro, doce de batata doce e muito
guaraná.
Creio que a carta que lhe mandei a semana passada cruzou com esta sua. Ia
também uma para Márcia, espero que tenham recebido.
Por favor, não se preocupes mãe. Eu realmente estou bem e tudo vai dar
certo, tenho certeza.
Até junho, um beijo do seu
Caio

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